Buscar respostas com o diretor do hospital não é fácil. Apesar de estar diariamente lá ele duvidou do que a equipe do Globo Repórter encontrou.
Patrícia tem apenas 16 anos e tenta ser forte o bastante para socorrer a mãe, mas ela é apenas uma menina desesperada na porta do hospital.
“Minha mãe tem câncer, tá espalhado já pro corpo todo”, diz a menina.
Um drama que se transforma em peregrinação por corredores. Em espera, em risco de morte e esquecimento. O Globo Repórter mostra todo esse cenário com a vontade de que isso não aconteça. Em uma jornada para lembrar dos milhões de brasileiros que dependem do Sistema Público de Saúde. Dos que já foram e dos que ainda são vítimas do descaso, das carências, da desorganização.
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“Cheguei quatro horas da manhã e até uma hora dessas e nada de ser atendido”, conta um homem.
Cruzar as águas em longas viagens em busca de socorro, alívio, diagnóstico para as suas doenças é a cruel rotina do povo que vive nas ilhas do Pará. Passar horas ou dias em um hospital sujo, sem conforto e muitas vezes também sem os equipamentos, os especialistas, os remédios necessários é a realidade de quem vive ou busca ajuda em das regiões da capital. Era assim em 2011 quando o Globo Repórter esteve no local.
É assim agora, em 2013, quando a equipe volta ao Pará.
Globo Repórter: Como é que tá a situação aqui?
Mulher: Você não que ir lá no leito onde eu estou? Tá péssima. Porque nem lençol de cama tem pra colocar no leito dos pacientes, anteontem nem soro tinha pra dar.
Nada parece ter mudado no Hospital Municipal Mário Pinotti, em Belém.
“Há três dias o paciente tá sem comer, sem se alimentar, paciente cirúrgico”, revela uma enfermeira.
Conhecido como o “PS da 14”, ainda é a maior emergência do Pará, destino de pacientes que chegam de várias cidades. Cenário de imagens e situações estarrecedoras.
“Rapaz, eu vim pra cá com uma dor do inferno aqui, disseram que era apendicite, o cara me cortou e não era, era uma bactéria. Tô aqui desde quarta-feira sem beber água, sem jantar, sem comer nada. Tô aqui igual a um morto vivo. isso aqui não é um hospital, isso aqui é um inferno”, reclama Claiton Lemos, chapa.
O médico que deveria estar cuidando de Claiton e de outros pacientes operados simplesmente sumiu e substituto algum apareceu.
Globo Repórter: O que é o problema dele?
Marcela Dália, dona de casa: Ele se operou de uma úlcera, aí faz três dias que o médico não aparece aqui.
Globo Repórter: E você tá esperando o que?
Anderson Nazareno, vendedor de lanches: O médico chegar para dar alta pra mim ir embora para casa, tô agoniado de ficar aqui.
A enfermeira também. Ela está apenas repetindo medicações e tentando, sem sucesso, chamar outro médico.
“A gente só fica dando desculpa ao paciente”, enfermeira.
E eles não são os únicos pacientes vivendo esse tipo de abandono dentro do hospital.
Cláudia Monteiro, empregada doméstica: Eu estou precisando de um médico infectologista. Até hoje eu espero esse médico e não aparece.
Globo Repórter: A senhora está internada há quanto tempo?
Cláudia Monteiro: Dezenove dias já eu tô aqui, eu acho. Até hoje esse médico não me aparece. Esse problema nas minhas pernas de mancha, tudo.
Globo Repórter: A senhora não sabe o que tem ainda?
Cláudia Monteiro: Não sei ainda.
Jéssica, tem 16 anos. Padece de uma doença grave, que pode comprometer órgãos importantes.
Jéssica Rodrigues, 16 anos: Tô com um mês esperando.
Globo Repórter: Esperando o quê?
Jéssica Rodrigues: Leito lá pra Santa Casa.
Globo Repórter: Por quê?
Jéssica Rodrigues: Pra fazer meu tratamento porque aqui não tem meu tratamento.
Globo Repórter: Tratamento pra quê?
Jéssica Rodrigues: Pra lúpus e albumina.
Globo Repórter: Aqui não tem?
Jéssica Rodrigues: Não.
Vinte e seis dias depois da entrevista Jéssica morreu, a transferência aconteceu quando ela já estava debilitada demais. Outros pacientes que encontramos naquele dia corriam o mesmo risco.
Edilena conta que chamou e pagou um médico particular para ajudar a cuidar da mãe dentro do hospital público, mas as recomendações dele pouco adiantaram.
Globo Repórter: Diurético?
Edilena Barros, operadora de máquina: Não.
Globo Repórter: E a bolsa de sangue?
Edilena Barros: Ainda não. E a gente fica aqui sofrendo. O banheiro, não tem nem luz no banheiro, não tem nem descarga. Lençol, a gente traz de casa.
A secretária Municipal de Saúde, a terceira a ocupar o cargo em um ano, está com a equipe do programa e ouve as reclamações.
Globo Repórter: Como a senhora vê essa situação?
Maria Selma da Silva Alves, secretária de Saúde – Belém: A gente já pegou assim. A gente está melhorando, com certeza. É duro. Mas nós estamos perseguindo a melhoria. O que você vê de lençóis aqui, olha: um, dois, três lençóis são daqui do hospital de seis, 50%.
Lavanderia e limpeza são serviços terceirizados e mal prestados. A sujeira, que aumenta o risco de infecção, é um problema grave. Rosana que é enfermeira e presidente da associação dos servidores vai mostrando outros problemas.
Rosana Oliveira, presidente Associação dos Servidores da Saúde: O elevador já não tá funcionando há mais de seis meses. Os maqueiros estão transportando pela escada, com o auxílio de uma prancha. Mas tem que ter em média quatro maqueiros
Globo Repórter: Vai pela escada?
Rosana Oliveira: Vai pela escada.
Buscar respostas com o diretor do hospital não é fácil. Apesar de estar diariamente lá ele duvidou do que a equipe do Globo Repórter encontrou.
Globo Repórter: Uma pessoa há 19 dias sem diagnóstico em um hospital, isso é normal?
José Maria Gonçalves, diretor do hospital: Não, lhe afirmo que não é normal. Não é normal.
Globo Repórter: E por que acontece?
José Maria Gonçalves: Vou esperar o diretor clínico pra lhe dizer.
Acompanhado do diretor clínico, o Globo Repórter voltou às enfermarias.
Confira no vídeo a visita às enfermarias.
Globo Repórter: Então, doutor?
Diretor clínico: Vou ver o que aconteceu.
Globo Repórter: O senhor concorda que esse é um problema de gestão?
Diretor clínico: Com certeza.
E ao voltar para a sala do diretor do hospital.
Globo Repórter: Doutor voltamos lá e é isso.
José Maria Gonçalves, diretor do hospital: É pra você ver que ninguém tá fazendo capa em cima de capa, foi visto. Até foi bom pra nós que é o momento da gente corrigir e sintonizar melhor esses atendimentos. Em vez de fazer sintonia AM, a gente agora vai fazer sintonia FM.
A entrevista termina de modo surpreendente.
José Maria Gonçalves, diretor do hospital: Vamos nessa! Um Pai Nosso de boas idas, não é de boas vindas , não.
E o diretor reza um Pai Nosso.
Nesta semana, a prefeitura de Belém anunciou que pretende comprar um hospital particular para atender a população e prometeu mudanças no “PS da 14”.
“O pronto-socorro deverá entrar em reforma gradual. A ideia é que a gente desative parte do pronto-socorro, faça a reforma, ocupe essa parte para concluir depois. Nesse momento, certamente nós vamos precisar adicionar profissionais e devemos fazer mediante concurso público dentro da prefeitura”, afirma Zenaldo Coutinho, prefeito de Belém.
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